Condenação reconhece contexto de vulnerabilização das vítimas de violência doméstica
NOTAS PÚBLICAS
5/10/2023


Em um julgamento rápido, nesta quinta-feira, 19 de maio, foi condenado a 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 7 meses e 3 dias de detenção o réu Cristiano Rodrigues Carneiro pelos crimes de tentativa de feminicídio contra sua ex-companheira, Mariane Ariadne Medeiros Araújo, e pela lesão corporal de uma das filhas do casal. Todas as qualificadoras - feminicídio, motivo torpe e meio cruel - foram reconhecidas pelos jurados. Os crimes ocorreram em 13 de março de 2017, cinco anos atrás.
A realidade vivida por Mariane é bastante expressiva de como se dá a violência doméstica. Vítima de agressões desde o início do relacionamento, ela chegou a registrar Boletim de Ocorrência contra Cristiano em 2014. Seguiu, porém, no casamento e mesmo após a tentativa de feminicídio, reatou com o acusado.
Trata-se de um ciclo vivenciado por muitas mulheres agredidas, especialmente quando existe dependência econômica desta para com o agressor. A defesa do réu tentou usar o fato para desqualificar a agressão, sem sucesso, uma vez que os depoimentos da vítima e de testemunhas confirmaram a seriedade das agressões. Um dos policiais que atendeu a ocorrência classificou o caso como um dos mais graves de violência doméstica já atendidos por ele.
A despeito do fato de Mariane ter mudado sua versão sobre o crime durante a instrução do processo, amenizando a responsabilidade do réu, motivada pelo medo das agressões que sofria continuamente, os jurados entenderam que houve o crime e Cristiano foi considerado culpado.
A defesa se esmerou na tentativa de emplacar a tese de legítima defesa e justificar as agressões como resultado das atitudes de Mariane. Segundo o réu, ela não seria boa mãe e não cuidaria bem da casa - argumentos corriqueiros que tem servido para justificar há muito tempo a violência doméstica. Ainda que fosse o caso, destaca-se a disparidade de cobrança do que seria uma “boa mãe” e um “bom pai”. O fato de Cristiano ter cometido as agressões diante de sua filha de menos de 2 anos não foi algo usado nos argumentos, destacando uma leitura patriarcal dos papéis sociais.
Ressaltamos do caso de Mariane a importância de denúncia por parte da vizinhança. Ao ouvir gritos de socorro, uma vizinha chamou a polícia e essa simples atitude pode ter evitado a continuidade das agressões, que poderiam ter terminado com a morte de Mariane e duas crianças órfãs. Reiteramos que em briga de marido e mulher deve-se "meter a colher", contrariando o ditado popular.
Ao reconhecer todas as qualificadoras e impor uma pena justa ao agressor pelas sequelas físicas e psicólogicas deixadas na vítima, o júri reconhece, também, o contexto de vulnerabilização a que estão expostas muitas mulheres, contribuindo para derrubar estruturas opressoras e violentas.
Néias
Observatório de Feminicídios de Londrina
O Néias Observatório de Feminicídios Londrina (Paraná) é uma organização da sociedade civil que surgiu em 2021, após um grupo de feministas ativistas se organizarem para dar visibilidade e acompanhar o julgamento do feminicídio tentado cometido pelo marido de Néia, Cidneia Aparecida Mariano da Costa, de quem ela estava tentando se separar.
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